sábado, agosto 19, 2006

MEMÓRIA - A censura à mídia mineira (III)

Kajuru é demitido da Band
(Miriam Abreu, 9/6/2004, no portal Comunique-se)

O apresentador Jorge Kajuru foi demitido da TV Bandeirantes nesta quarta-feira (09/06). Em nota enviada à imprensa, ele relata os motivos de sua demissão e afirma que sai sem mágoas da emissora. Kajuru também agradece à Band por ter lhe dado "tanta liberdade até o dia dos episódios: Casas Bahia e governador Aécio Neves."

Kajuru foi tirado do ar, na noite da última quarta-feira (02/06), logo depois de um intervalo de seu programa "Esporte Total", sendo substituído pelo colega Fernando Nardini, que não explicou o que havia ocorrido. Ele apresentava a segunda edição do programa, por volta das 20h, ao vivo, de Belo Horizonte, pouco antes de começar o jogo Brasil e Argentina. "Gente, nunca vi tanto carro de autoridade chegando ao Mineirão. São quase 10 mil convidados do Brasil inteiro, naturalmente com ingresso garantido. E o povo? O povo só teve acesso a 42 mil ingressos, caríssimos", disse, criticando o governo de Minas Gerais, ao ver torcedores revoltados com a dificuldade de comprar ingressos.

A direção TV Bandeirantes continua não comentando o caso.

Leia a nota na íntegra:

Aos meus amigos e amigas:

Pela permissão que você me concede de entrar na sua casa, tenho a obrigação de sempre lhe falar a verdade, nada mais que a verdade.

Para quem não assistiu à segunda edição do Esporte Total na última quarta-feira, dia 02 às 20h15min, aqui vão os motivos pelos quais estou mais uma vez fora do ar:

1º - A Band Minas escolheu o portão do Mineirão como cenário de minha apresentação ao vivo. Desde às 19h30 eu assistia à uma revolta de centenas de torcedores que não puderam comprar ingressos e que não tinham 400 reais para comprar nas mãos de cambistas. Toda a imprensa tinha conhecimento que somente 42 mil ingressos foram destinados ao grande público. E que mais de 10 mil ingressos-convites estavam nas mãos do governador Aécio Neves e do presidente da CBF, Ricardo Teixeira. Quando eu passei a ver de perto a revolta dos torcedores deficientes físicos que não podiam ter acesso ao portão que, sempre, foi para entrada exclusiva deles e que, naquele jogo Brasil e Argentina, estava destinado à artistas, políticos e seus acompanhantes, aí sim comecei a mostrar ao vivo o que estava acontecendo. Fiquei indignado.

2º - Primeiro entrei ao vivo no Jornal da Band com o Carlos Nascimento. Relatei os fatos, mostrei tudo! E devolvi para o Nascimento, que fez o seguinte comentário:
"A gente gosta do Kajuru por isto. Porque ele fala o que ninguém fala e mostra o que ninguém mostra".

3º - Às 20h15min, meia hora depois, comecei a apresentar ao vivo o Esporte Total do mesmo lugar. Alí não parava de chegar todo tipo de político e de artista sem ingresso, apenas com o envelope azul do convite do governo de Minas. E alí aumentava, cada vez mais, a revolta das pessoas. Cumpri meu dever jornalístico. Mostrei tudo e entrevistei alguns torcedores. Às 20h30min, quando me dirigia a um torcedor na cadeira de rodas, que apontava uma carteirinha e, aos gritos, dizia que era uma lei federal e que ele deveria ter prioridade para entrar, eu disse: "Mais um conflito que você vai ver logo depois do 1º intervalo do Esporte Total, eu volto já!!!"

Conclusão: Não voltei mais, inventaram uma justificativa de que havia problema técnico mais depois me avisaram que por causa do governador Aécio, alguém da diretoria da Band havia decido na redação e mandado me tirar do ar através do Sr. Juca Silveira. Até hoje, continuo fora do ar, esperando por uma decisão da emissora.

Decisão: nesta Quarta-feira, dia 09, a direção da Band me demitiu às 11 horas da manhã. O diretor de jornalismo, Fernando Mitre fez a comunicação e disse que saio de portas abertas e que a empresa tem certeza que um dia ainda vou voltar.

De minha parte saio sem nenhuma mágoa e francamente agradecendo à Band por ter me dado tanta liberdade até o dia dos episódios Casas Bahia e governador Aécio Neves. A estes dois deixo a mensagem de que continuo sendo jornalista, independente e investigativo.

À Band deixo a minha compreensão de que o mundo econômico é assim mesmo: um conflito permanente da liberdade de imprensa, neste Brasil mais chegado à liberdade de empresa e de autoridade. Nesses 30 anos de carreira muitas coisas perdi em função de minha postura mas, felizmente duas coisas eu não vou perder jamais: a minha dignidade e o meu direito pleno de me indignar as coisas erradas. Essas duas coisas pertencem a mim Não estão em contrato e ninguém pode me tirar.

Agora, me dirijo a você, que me assistiu durante esses 14 meses na Band: Muito obrigado por tudo e principalmente por dado a mim a certeza de que vale a pena ser digno, continuar transparente e seguir numa relação de mão dupla com você de casa. É isso aí e orgulhosamente volto a ser pobre, feio, mas pelo menos magro. Até a próxima demissão.

Atenção: Convido-lhes para ler a coluna do jornalista Juca Kfouri* nesta quinta feira, dia 10, no jornal 'Lance'. Não é pela nossa amizade e sim por se tratar do comentário mais fiel a tudo que se ocorreu."

Jorge Kajuru



*Leia a coluna de Juca Kfouri:

O preço de ser digno

Ontem [09/06/2004] selou-se o destino de Jorge Kajuru na TV Bandeirantes. Diante de uma proposta para que se desculpasse das justas críticas que fizera à verdadeira farra deslumbrada que foi a organização do jogo entre Brasil e Argentina - desculpas que deveriam ser dirigidas ao governador tucano de Minas Gerais, Aécio Neves - o jornalista preferiu o caminho de casa.

No que fez bem. Muito bem. Não houve quem visse (e eu não vi) a diferença de tratamento dado ao torcedor comum no Mineirão e às "celebridades", fossem do mundo político ou do artístico ou dos apenas emergentes, e não ficasse indignado, como boa parte da imprensa escrita registrou, fosse neste LANCE!, na "Folha de S.Paulo", no "Globo" etc.

Impossível provar que o governador tenha reclamado de Kajuru à direção da Band, embora sejam vários os depoimentos de jornalistas que atestam procedimentos deste gênero. Talvez, e nem seria a primeira vez, a Band tenha sido mais realista que o rei, o que não é menos criticável.

Denecessário dizer que Kajuru tem um estilo peculiar, um dia magistralmente definido por Armando Nogueira como "de transbordante indignação para o bem". Estilos cada um tem o seu, mas o caráter de Kajuru não comporta discussão.

Quanto ao governador mineiro, no que diz respeito ao futebol, basta lembrar de dois fatos: quando presidente da Caixa Econômica Federal não moveu uma palha para elucidar a denúncia sobre a existência de uma máfia na Loteria Esportiva, inquérito herdado de gestões passadas e que só encontrou boa vontade em sua apuração no curto período da gestão do pernambucano Marcos Freire, que morreu em acidente aéreo.

Bem mais recentemente, na presidência da Câmara dos Deputados, o neto de Tancredo Neves ajudou a livrar Eurico Miranda de ter seu mandato cassado, embora houvesse provas suficientes para tanto nas CPIs do Congresso.

Kajuru denunciou no ar que os deficientes físicos estavam sendo tratados como gado no Mineirão, em oposição ao tratamento dado aos convidados do governo mineiro e da CBF (que, é claro, deve ser mesmo de primeira, diferenciado, como o torcedor comum, que paga, merece o tratamento adequado).

Se isso não é notícia, vamos todos para casa.

Com a consciência de que quem se curva diante dos opressores mostra o traseiro aos oprimidos, frase genial de Millôr Fernandes.

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