sexta-feira, janeiro 19, 2007

Aécio Neves e os súditos da imprensa nacional

José de Castro
(reproduzido do site novae)

Aécio Neves, o melhor governador do país. Será?

"Entre os governos estaduais, Aécio Neves, de Minas Gerais, pela quarta vez consecutiva, foi considerado o melhor governador com uma aprovação de 95%. Para realizar a pesquisa, a Macroplan entrevistou 80 profissionais dos principais veículos em sete estados do País". Esta notícia, sob o título "Jornalistas avaliam o governo Lula", foi divulgada no dia 28 de dezembro último pelo Comunique-se, um site muito visitado por jornalistas brasileiros. No mesmo dia, escrevi ali este comentário:

"É triste ver, nessa notícia, a avaliação que fazem os jornalistas brasileiros do governo Aécio Neves. É desconhecer que ele governa sem oposição na Assembléia Legislativa e sem acompanhamento crítico de seu governo pela imprensa. Aécio descobriu uma forma barata de comprar a imprensa: ele põe alguns (não digo todos, porque é difícil provar) diretores de redação e editores de política e economia na folha de pagamento do governo. Um dos canais usados para isso, basta apurar para comprovar, é o gabinete do vice-governador. Mas há muitos outros, todos rendosos para os caciques dos principais órgãos de imprensa mineiros, que, aliás, se vendem barato. Antigamente, os governadores mineiros pisavam em ovos com o PT. Não é o que acontece hoje. O partido de Lula sente-se à vontade no Palácio da Liberdade, e nenhum outro tomou o seu lugar, como oposição. Assim, fica fácil... Mas acho que Tancredo se sentiria um pouco constrangido diante da desenvoltura dos netos no trato com a imprensa."

Esse comentário não mereceu maior atenção. Apenas o estudante Thiago Cândido estranhou a avaliação feita de Aécio Neves. Ele comentou: "Meu Deus, como pode? Bem disse a Catanhede na Falha de hoje: Os jornalistas estão se informando pela imprensa. E gostaria muito de uma pesquisa dessas aqui em Piratininga. Como será que os Coleguinhas avaliam Serra? E quanto tempo vai demorar pro Serra pedir a primeira cabeça nas redações?"

Sem se referir ao meu comentário, Talis Andrade, um importante jornalista aposentado de Pernambuco, escreveu no dia seguinte: "Não existe a profissão de jornalista. Existe o bico, o emprego temporário. Fica justificado o mota, o jabá. Idem as folhas dos governos estaduais e municipais. Jornalista deve lutar pelos mesmos direitos dos assessores de imprensa. Eles têm estabilidade no emprego, jornalista não. Eles têm promoções e gratificações por tempo de serviço, jornalista não. Eles têm aposentadoria de jornalista, jornalista não. O jabaculê é a sobrevivência de muita gente boa. Pago pelas agências de publicidade e assessorias de rp, de imprensa..."

Esta é uma velha discussão no Comunique-se. Talis Andrade e Delmar Marques estão entre seus principais fomentadores. Como também ganhou ali algum espaço, há uns três anos, a informação divulgada pelo Sindicato dos Jornalistas Mineiros de que o governo de Minas pedira a um jornal a cabeça de um editor de economia, entre outros casos comentados entre os jornalistas.

Voltando de um breve descanso na Bahia, interessei-me de novo pelo assunto, ao saber que meu modesto comentário no Comunique-se tinha repercutido entre colegas.

Procurei então ler a pesquisa que apontava o neto de Tancredo Neves com elevado prestígio entre os jornalistas brasileiros. Descobri, em primeiro lugar, que a pesquisa foi feita pela Macroplan Prospectiva, Estratégia & Gestão, uma empresa fundada pelo economista Cláudio Porto e que tem como diretor associado José Paulo Silveira, um engenheiro metalúrgico que já foi secretário de Planejamento e Investimento Estratégico do Ministério do Planejamento e Gestão. A empresa tem sedes no Rio de Janeiro, Brasília e São Paulo, emprega 41 consultores e tem entre seus clientes a Petrobrás, o Sebrae, diversos governos estaduais e instituições privadas. No seu site ( www.macroplan.com.br ), destaca-se uma notícia de 29 de dezembro último. Ela diz:

Governo de Minas inova na estratégia com apoio da Macroplan

Contratada pela segunda vez pelo Governo de Minas Gerais, para apoiar a formulação e a implementação da estratégia de desenvolvimento do governo estadual, a Macroplan concluiu, em dezembro de 2006, o projeto de apoio à elaboração do novo Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado do estado para o horizonte 2007-2023, que integra também estratégias de Governo no médio prazo (2007-2011). O projeto foi elaborado pela Macroplan em parceria com as equipes da Fundação João Pinheiro e da Secretaria de Planejamento e Gestão (Seplag) do Governo do Estado de Minas Gerais. "A parceria da equipe técnica da Seplag, liderada pelo subsecretário de Planejamento e Orçamento Tadeu Barreto, com a Macroplan levou a uma arquitetura estratégica inovadora e robusta, que supera as formulações genéricas que são comuns em formulações desta natureza", comentou o diretor presidente da Macroplan, Cláudio Porto.

(...) Outro ponto de destaque foi a realização de uma avaliação estratégica do desempenho do governo de Minas Gerais no período 2003-2006, abordando a estratégia implementada, a carteira de projetos estruturadores executada e o modelo de gerenciamento empregado. "Ao invés de recomeçar do zero, partiu-se da caminhada já feita para identificar o que estava indo bem e precisava ser mantido e também mapear o que teria que ser modificado e melhorado", afirmou Alexandre Mattos responsável pela coordenação executiva dos trabalhos da Macroplan.


Bem, não há dúvidas de que a Macroplan ficou muito feliz com a boa avaliação feita pelos jornalistas sobre um importante cliente -- e com sua divulgação pela imprensa. Mas, quais são esses jornalistas? O texto da pesquisa, intitulada "Por dentro dos que fazem a mídia: como estes profissionais avaliam o Brasil e seus governantes", esclarece que foram entrevistados apenas 80 jornalistas. São diretores, editores de redação, colunistas, comentaristas de renome nacional ou regional e repórteres especiais "vinculados aos principais jornais do País, às redações dos principais emissores de TV, das revistas de conteúdo jornalístico de circulação nacional e dos núcleos de jornalismo das rádios de grande audiência". A grande maioria (65%) trabalha no Distrito Federal (20 entrevistados), São Paulo (16) e Rio de Janeiro (16). Há ainda 8 trabalhando no Rio Grande do Sul, 7 em Minas Gerais, 7 no Espírito Santo e 6 em Pernambuco.

Fica, portanto, prejudicada a generalização. Conforme admite a própria Macroplan, que já fez oito rodadas de entrevistas com jornalistas, desde 2003, "a composição da amostra seguiu critérios qualitativos e não estatísticos de representatividade". Para a empresa, no entanto, o resultado da pesquisa, apesar da amostra insuficiente, "indica, indiscutivelmente, as percepções, opiniões e expectativas daqueles profissionais mais influentes nos principais meios de comunicação do Brasil e de outros países que contribuem para informar e formar a opinião política da população".

A Macroplan pode acreditar no que afirma. E os jornalistas que responderam às suas perguntas devem supor que estão bem informados, pois lêem jornais, ouvem rádios e assistem TV. Tanto que se expõem a avaliar os governadores de Minas, Distrito Federal, São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Espírito Santo e Pernambuco, embora trabalhem distantes de muitos deles. O governador Aécio Neves teve aprovação quase absoluta (95%), enquanto 92% dos entrevistados consideraram o desempenho da ex-governadora Rosinha Garotinho ruim ou muito ruim.

Há aí um aspecto a ser considerado. Como disse naquele comentário no Comunique-se, Aécio não tem oposição política de peso e seu governo é tratado pela imprensa como um excelente governo, já que não se lê ou se ouve qualquer crítica a ele. E Rosinha Garotinho enfrentou, durante quatro anos, a marcação cerrada dos jornais, rádios e televisões do grupo fundado por Roberto Marinho.

Quando estimulados a falar livremente, 72% dos 78 entrevistados que se pronunciaram a respeito apontam Aécio Neves como o melhor governador do País, seguido, com grande distância, pelo governador Paulo Hartung (19%), do Espírito Santo. Apenas 1,3% se lembrou de apontar o governador reeleito do Paraná, Roberto Requião (PMDB). Requião havia sofrido, durante a campanha eleitoral, forte oposição da imprensa local, tanto que no discurso de posse, dia 1º de janeiro, ele se dedicou a criticar os barões da imprensa, apontando o risco, para a democracia, quando "apenas seis redes privadas controlam 667 veículos -- emissoras de TV, de Rádio e jornais diários -- atingindo 87% dos domicílios, em 98% dos municípios brasileiros".

Quando digo em meu comentário que Aécio Neves comprou a imprensa, não me refiro especificamente a colocar na folha de pagamento do governo, de forma clandestina ou não, diretores de redação ou editores. Tenho notícia de que isso pode ocorrer, mas não conheço sua extensão e nem tenho como provar. É uma suspeita baseada no resultado do trabalho que se produz em Minas no meio jornalístico. No mau jornalismo que temos, quando visto sob essa ótica de Roberto Requião: "Queremos uma comunicação de interesse público. Que estimule o debate. Que tenha compromisso com a formação, a educação e a construção da cidadania. Que democratize e produza instrumentos de socialização da informação".

Uma forma de comprar a imprensa é a destinação de verba publicitária do governo. Como comentou no Comunique-se o editor do Jornal Vanguarda, de Guanambi, na Bahia, Seu Pedro: governantes, quaisquer que sejam suas cores políticas, fazem dos anúncios moedas de troca. Exigem que só falem bem, não aceitam críticas.

Roberto Requião promete romper essa prática. Segundo a Agência Estado, ele determinou a redução, em 74%, do orçamento de publicidade. O da Secretaria de Comunicação caiu de R$ 14,8 milhões, em 2006, para R$ 3,8 milhões neste ano.

É uma boa forma de Aécio Neves provar que não está comprando a imprensa. Para os chefes de redação mineiros, existe uma excelente maneira -- muito melhor do que entrar na Justiça contra quem os critica -- de provar que não se venderam: é voltar a fazer o bom jornalismo que sabem fazer, como muitos provaram no passado, quando se empenhavam pelo fim da ditadura.

Para o bem da democracia e da própria imprensa, seria bom que nem Aécio nem os diretores de redação se empenhassem em confirmar o que disse o poderoso ministro das Comunicações no Governo Fernando Henrique Cardoso, Sérgio Motta: "A mídia come na mão se farto for o grão" (citado por Fábio José de Mello, no Comunique-se).

sábado, janeiro 06, 2007

O grande nariz


Por Josias de Souza

Ao espalhar violência a esmo em São Paulo e no Rio, os dois centros urbanos mais vistosos do país, o crime organizado introduziu uma inusitada novidade na cena nacional: em vez de agir nos subterrâneos, como convém aos ?negócios?, os delinqüentes decidiram mostrar a cara. Atacam instalações policiais, incendeiam ônibus, afrontam o Estado. É como se houvessem concluído que não há existência fora da mídia. Querem aparecer no ?Jornal Nacional?. Roubam a cena, estebelecendo um caos que oferece ótima matéria prima para um recomeço, um convite à renascença. O caos intima o governo federal e as administrações estaduais à ação conjunta.

Sérgio Cabral, o novo governador do Rio, oferece a Brasília uma oportunidade única de mostrar eficiência. Diferentemente da administração paulista, Cabral aceitou tudo o que o governo federal tem a oferecer: Força Nacional, Forças Armadas e até o acesso às vagas disponíveis no presídio federal de Catanduvas (PR). Vai funcionar? Talvez não. Um descalabro de décadas não se resolve em semanas, meses ou no intervalo de um mandato. A repressão, de resto, não é o único remédio contra o câncer. É preciso limpar a polícia, humanizar os presídios, levar os serviços do Estado às comunidades pobres, hoje sob o domínio do tráfico.

A despeito da dúvida, Cabral acerta ao apostar na parceria com Lula. Se o crime é organizado, por que o Estado deveria insistir na desorganização? Espera-se que a colaboração se estenda ao aparato de inteligência e às engrenagens de controle da movimentação financeira. Impossível deter o crime sem mapear-lhe o patrimônio e os tentáculos financeiros.

Há, porém, uma grande ausência em todo esse debate. Falta ao enredo um personagem central: o grande nariz. O crime diversificou os seus negócios no país. Possui ramificações até no roubo de cargas. Mas a base de tudo continua sendo o comércio de drogas. Vende-se cocaína porque há no mercado quem se disponha a sorvê-la em grandes quantidades.

Cocaína é coisa cara. A sobrevivência do negócio está escorada num mercado de consumo de elite. Deseja-se combater o tráfico, mas tolera-se o consumo da droga. Fala-se em Marcola, em Fernandinho Beira-Mar, mas arma-se uma barreira de silêncio em torno do grande nariz. E por quê? Simples: o nariz invisível não é mencionado porque, se fosse, não haveria investigação. Ele é empinado demais para ser exposto em boletins policiais.

O grande nariz não está nem favela do Rio nem na periferia de São Paulo. Ele trafega em ambientes mais sofisticados: coxias de shows, camarins de desfiles de moda, corredores do Congresso, redações de jornal... Nas festas onde há drogas, entre uma cafungada e outra, ternos Armani e decotes Versace se dizem chocados com o noticiário sobre as atrocidades praticadas por criminosos. Deseja-se combater verdadeiramente o crime organizado? Pois antes é preciso que a sociedade comece a enxergar o nariz invisível que cheira nos ambientes requintados das grandes cidades. O grande nariz sustenta o tráfico, paga o suborno à polícia, financia a matança e banca a gasolina que incendeia ônibus