sábado, agosto 19, 2006

A farsa do déficit zero

(artigo do jornalista José Maria Rabelo, publicado em 13/12/2004, no site pravda.ru)

Nem sempre a mentira tem pernas curtas. As desse engodo do déficit zero de Aécio, irrigada por milhões de reais em publicidade, são longas, muito longas. Ultrapassaram os limites de Minas e, através dos jornais, rádios e televisões nacionais, chegaram às mais distantes partes do País. Nos últimos dias nem as Casas Bahia gastaram tanto com propaganda.

Segundo a campanha, Minas transformou-se em modelo para o resto do Brasil. O novo prefeito de Salvador, que dizem ser do PDT mas que nem tomou conhecimento do partido em sua visita, veio correndo a Belo Horizonte para ?aprender com Aécio como pôr as contas públicas em ordem?.

O que não esclarece a divulgação é que o alardeado equilíbrio financeiro limita-se apenas à proposta orçamentária para 2005. Mesmo admitindo-se que o orçamento seja integralmente cumprido, o que quase nunca acontece, é preciso saber como o ajuste foi obtido. Ele assenta-se em dois trilhos. Primeiro, num congelamento brutal das remunerações do funcionalismo, que está há mais de dez anos sem aumento, além de sofrer o corte de benefícios históricos, como qüinqüênios, trintênios e apostilamentos. Uma professora em fim de carreira, no principal estabelecimento de ensino do Estado, recebe hoje pouco mais de R$ 900,00 mensais. A grande maioria não atinge a metade disso. O segundo trilho é a redução, também brutal, das despesas com custeio. Os estabelecimentos de ensino sentem na carne as conseqüências desse processo, com a falta de material para as aulas, a péssima qualidade da merenda e a situação de abandono dos prédios escolares. Na saúde, não é diferente. O IPSEMG, órgão responsável pela assistência médica ao funcionalismo, acha-se em estado de descalabro, próximo da insolvência. O governo deve à instituição quase R$ 2 bilhões, de repasses constitucionais que não vêm sendo efetuados. Hospitais, clínicas e postos de saúde vivem a mesma realidade.

Essa situação gera um clima de profunda revolta e insegurança junto ao funcionalismo. Com trabalhadores mal remunerados, vendo seus direitos sendo extintos e o total desprezo às suas reivindicações, torna-se risível, até mesmo cínico, falar-se em "choque de gestão", com fazem os tecnocratas oficiais para justificar seus discutíveis êxitos administrativos. A qualquer momento pode-se deparar com uma série de agitações no Estado, a começar pelas polícias militar e civil, como aconteceu alguns anos atrás em outra administração tucana, que chegou a perder o controle da segurança pública. No ano passado, quando se discutia o plano de carreira dos militares, eles cercaram a Assembléia Legislativa e o prédio da Secretaria de Planejamento, exigindo de forma violenta que seus preitos fossem atendidos, o que - de certa maneira - acabaram conseguindo. Naquele momento, o governo teve de requerer a intervenção de forças federais, para evitar a repetição dos conflitos de 1997. A crise, entretanto, permanece latente, como reconhecem as próprias lideranças da categoria.

Em virtude da riquíssima propaganda governamental, há muita gente pensando que Minas resgatou todas as suas dívidas, nada devendo hoje, numa rara e invejável demonstração de eficiência administrativa. O quadro, porém, revela-se inteiramente diferente. Embora essas dívidas em sua maior parte não sejam de responsabilidade do atual governo, pois vêm se acumulando através do tempo, o Estado deve mais de R$ 60 bilhões, cerca de duas vezes e meia o total de sua receita anual, isto é, de tudo o que arrecada diretamente ou através de repasses federais. Os números apresentam-se assim em sua extrema dramaticidade: R$ 40 bilhões da dívida com a União, R$ 13 bilhões com precatórios, R$ 8 bilhões de restos a pagar e R$ 2 bilhões das já mencionadas parcelas vencidas e não honradas com o IPSEMG.

Desse modo, não passa de enganosa operação de marketing o déficit zero anunciado pelo governo de Minas. Muitos dizem que a propaganda tem apenas o objetivo de obscurecer a fragorosa derrota do governador nas eleições municipais, e que por isso deveria chamar-se mais propriamente de farsa zero.

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