terça-feira, maio 08, 2007

Apanhado de denúncias contra Aécio Neves (5)

Subsídio para indústrias, altas tarifas para o povo

Famílias mineiras pagam uma das contas de energia mais caras do Brasil e do mundo


Maria Madalena da Silva é cozinheira, tem 4 filhos e mora no bairro Jardim Filadélfia, em Belo Horizonte. Responsável por todas as contas de sua casa, ela tenta fazer milagre com seus R$ 380 mensais. Só de conta de luz vai quase R$ 100 por mês. "A gente usa só o normal: televisão, ferro. Ao tomar banho, apagamos todas as luzes pra economizar", diz.

A Acesita é uma empresa siderúrgica, especializada em aço inoxidável, e faz parte do grupo transnacional Arcelor. Ela utiliza grandes quantidades de energia na produção de carvão, na mineração, até chegar ao beneficiamento do aço. Em 2005, o lucro acumulado da empresa foi de R$ 588,9 milhões.

A diferença entre receita e gastos entre a dona de casa Madalena e uma grande empresa é gritante. Imagine se a Acesita gastasse um quarto de seu orçamento apenas com despesas com energia? Para evitar esse desconforto com os grandes grupos que geram "riqueza" para Minas Gerais, como as siderúrgicas, mineradoras e construtoras, o Estado criou uma interessante forma de subsídio. Enquanto os consumidores residenciais mineiros pagam R$ 497 por megawatts/hora de energia, além dos impostos, as indústrias, chamadas de "consumidores livres", pagam R$ 81 pela mesma quantidade, ou seja, 5 vezes menos.

Em abril, a tarifa dos consumidores residenciais aumentou 6,5%, enquanto o reajuste para as indústrias foi de 2,89%. Os consumidores livres podem comprar energia da empresa que oferecer a melhor tarifa. Os consumidores cativos, que são as famílias, são obrigados a comprar energia da empresa do seu estado, no caso de Minas, da Cemig.

ENERGIA PARA QUEM?

"O tratamento do governo estadual com a indústria é a pão de ló, enquanto os consumidores residenciais é que pagam a conta. Essa política é simplesmente para poder mandar dinheiro para o exterior. Mais de 56% dos acionistas da Cemig são estrangeiros, 20% da iniciativa privada e apenas 23% do Estado", denuncia Wilian Moreira, coordenador geral do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Energia (Sindieletro/MG).

Fernando Duarte, técnico do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), aponta que o panorama do controle acionário da Cemig mudou em 1997, no processo de tentativa de privatização da empresa, e que, desde então, a participação de acionistas preferenciais (aqueles que não têm direito a voto, mas têm direito a participação dos lucros) estrangeiros tem crescido gradativamente. "O que chama atenção é que a Cemig distribui mais do que seus dividendos. Em 2005, a empresa lucrou R$ 2,03 bilhões e distribuiu R$ 2,07 bilhões. Está sendo dada prioridade máxima aos acionistas, enquanto o lucro da empresa poderia ser destinado a investimentos na melhoria da qualidade do serviço e para rever a política tarifária", aponta.

O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) afirma que o governo do Estado prioriza o enriquecimento de empresas, enquanto negligencia sua função social. "A política energética do governo Aécio beneficia as eletrointensivas, grandes empresas que levam para fora de Minas os nossos recursos naturais, como o minério de ferro, alumínio, ferro-liga, celulose, enquanto utilizam quase 60% de toda a nossa energia a preço de custo", afirma Joceli Andrioli, da coordenação estadual do MAB.

"O PREÇO DA LUZ É UM ROUBO!"

Segundo levantamento feito pelo Instituto de Desenvolvimento do Setor Elétrico (Ilumina), o Brasil ocupa a 5ª colocação no ranking dos países que têm as mais altas tarifas residenciais de energia no mundo, sem levar em conta os impostos. Canadá e Noruega, que também possuem matrizes hidrelétricas, ocupam o 29º e 30º lugar, respectivamente.

O consumidor residencial atendido pela Cemig paga 23% mais que um consumidor carioca e 42% que um consumidor paulista, por exemplo. Além disso, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços cobrado das famílias mineiras gira em torno de 30%, enquanto as indústrias pagam somente 18%.

Em Minas Gerais, a campanha nacional contra os altos preços da energia elétrica, lançada pelo MAB em 2006, foi reforçada por um conjunto de organizações sociais, como as Assembléias Populares, a CNBB, a Via Campesina e sindicatos. Esses movimentos já recolheram mais de 50 mil assinaturas para viabilizar o projeto de lei de iniciativa popular, que propõe isenção de 100kwh/mês para todas as famílias que recebem até um salário mínimo por pessoa. O projeto, que leva o nome do falecido arcebispo Dom Luciano Mendes de Almeida, será entregue na Assembléia Legislativa do Estado, durante o II Encontro dos Movimentos Sociais Mineiros, que será realizado nos dias 30 de abril, 1º e 02 de maio, em Belo Horizonte.


As indústrias pagam sim: para eleger o governador

"Quem financiou a campanha do governador, em 2002 e em 2006, foram essas indústrias eletrointensivas. Existe um acordo entre eles, que incluem não só a energia quase de graça, mas a flexibilização das leis ambientais. Hoje, os processos de licenciamento são decididos por questões políticas e econômicas", afirma Joceli Andrioli, do MAB.

O financiamento declarado de campanhas, disponível no site do Supremo Tribunal Eleitoral, mostra que as maiores rubricas provêm de empresas ligadas ao setor energético, de mineração e construtoras. Para se ter uma idéia, a Acesita doou, nas duas campanhas, R$ 250 mil. A Urucum Mineração, da Companhia Vale do Rio Doce, declarou sua contribuição de R$ 1 milhão, na reeleição de 2006.

O Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais (Gesta), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), reforça a crítica em relação à concepção política por trás da lógica dos investimentos em grandes empreendimentos em Minas. "O segmento empresarial e o Estado possuem um discurso de sustentabilidade. Porém, os limites da exploração não se dão por uma avaliação integral dos recursos naturais e sim pelo retorno econômico. É como se a natureza tivesse que se adaptar às vontades humanas, e não o contrário", afirma Wendell Assis, pesquisador do Gesta.


A contribuição de Minas para o aquecimento global

Enquanto o mundo se volta para o debate sobre os efeitos da liberação de gases poluentes na natureza e o risco de aquecimento global, o governo estadual segue na lógica neoliberal de investir em um projeto de "desenvolvimento" que desconsidera os impactos sociais e ambientais. "O modelo da economia mineira está assentado no tripé mineração, siderurgia e celulose, formando uma cadeia suja", atesta Carlos Eduardo Mazzeto, pesquisador da UFMG e consultor em agroecologia. Ele chama a atenção para o grau de impacto ambiental provocado por essa cadeia. "Elas são fundamentalmente obras poluidoras, pois no final tudo vira carvão, cuja queima libera gases de efeito estufa, contribuindo para o aquecimento global".

Há inúmeros exemplos de mineradoras que sugam as riquezas naturais do estado de forma predatória, e estão ligadas ao capital estrangeiro, como a Mina de Tejuco, em Brumadinho, a mineração na Serra da Piedade, a Serra do Gandarela, a Mina do Brucutu, a maior do mundo, Capão Xavier, em Nova Lima, e inúmeras outras.


Fome e sede no Jequitinhonha

A hidrelétrica de Irapé, inaugurada em 2006 pela Cemig, prometia levar o 'progresso' para o Vale do Jequitinhonha. Com investimentos de R$ 1 bilhão, a obra desviou o curso do rio Jequitinhonha, afetando sete municípios e mais de 1200 famílias. O Gesta/UFMG, que acompanhou as obras de Irapé, aponta que nem 50% das famílias foram reassentadas. As que foram, ficaram prejudicadas pelo desnível dos terrenos, sendo necessárias bombas de captação de água. "A ironia é que depois de fazer uma barragem para gerar energia, as famílias não conseguem pagar a conta e ficam sem água e sem luz", denuncia Joceli Andrioli do MAB.

Rio acima, famílias com dificuldade de produção e de adaptação à nova realidade, expulsos de suas terras e distantes de sua história e sua cultura. Rio abaixo, o desastre ambiental. Estudo do Gesta aponta que houve redução do PH da água, causando baixa de oxigenação, aumento da concentração de manganês, nitratos, sulfato e ferro, risco de morte de peixes, irritação na pele e olhos, além de doenças como a hepatite e a difteria.

Em Minas Gerais, segundo dados do MAB, mais de 10 mil famílias foram atingidas pela construção de barragens. No entanto, se somadas famílias atingidas por projetos antigos e que até hoje não foram resolvidos – como a hidrelétrica de Furnas - esse número chega a 50 mil.


O povo é sempre o último a saber

Com um discurso de "participação" e "sustentabilidade", o governo esconde o processo de exclusão das comunidades diretamente atingidas pelos empreendimentos. "As comunidades e o meio-ambiente são considerados como 'externalidades' do processo, 'empecilhos' ao desenvolvimento. Depois, os resultados são distribuídos de forma assimétrica, ficando os lucros para as empresas e os impactos para as populações", diz Marcos Zucarelli, pesquisador do Gesta. Ele acrescenta que a devastação dos ecossistemas, a destruição de corredores ecológicos, o deslocamento compulsório de populações tradicionais, a perda considerável de terras férteis, a contaminação e assoreamento dos rios, continua a acontecer no estado.

Decanor Nunes, do Fórum do Vale do Jequitinhonha, confirma a exclusão da população dos processos de construção de grandes obras. Decanor é agente da Cáritas Diocesana de Almenara, que compõe a Articulação do Semi-Árido, junto com outras 140 entidades. "Só sabemos dos grandes projetos quando eles estão prontos, como as monoculturas de eucalipto e a barragem de Irapé. Não nos chamam para debater", exemplifica.


Concentração de terras gera aumento da violência ao campo

"Inexiste uma política pública voltada para a questão agrária mineira". A declaração da Via Campesina leva em conta a ausência de um projeto político integrado para a questão agrícola, fundiária e de Reforma Agrária no estado, envolvendo os pequenos produtores, as famílias sem terra, os atingidos por barragens, os quilombolas e indígenas.

Segundo o professor Ariovaldo Umbelino, da USP, há 18 milhões de hectares de terras presumivelmente devolutas, ou seja, públicas, em Minas Gerais, cuja arrecadação para a Reforma Agrária compete ao governo estadual. A Via Campesina denuncia que os assentamentos no estado, mais de 200, não são assistidos com políticas públicas, carecendo de investimentos em saúde, educação e transporte.

Além disso, a violência no campo cresceu em Minas. Segundo a Comissão Pastoral da Terra, uma pessoa foi assassinada em 2003, e, em 2005, foram 27 mortos. Os responsáveis pelo massacre de Felisburgo, em 2004, onde morreram 5 trabalhadores, até hoje não sofreram punição e estão soltos.


Água também é mercadoria no governo Aécio

Depois de colocado em votação em caráter de urgência, foi aprovado no dia 13 de março de 2007, o Projeto de Lei 3.374/06, de autoria do próprio governador, que autoriza a criação de subsidiárias da Companhia de Abastecimento de Minas Gerais (Copasa). Das três subsidiárias previstas – exploração das estâncias hidrominerais, irrigação do Projeto Jaíba, e saneamento dos Vales do Mucuri, Jequitinhonha e São Mateus, e Norte de Minas – a terceira foi a que gerou mais críticas por parte dos sindicatos e deputados da oposição, pois cria uma "copasinha" para atender municípios pobres, eliminando a parte deficitária da receita da companhia, o que atrai mais investimentos.

Para as populações do Norte de Minas e do Vale do Jequitinhonha, a previsão é de um serviço de pior qualidade e tarifas mais altas, já que a subsidiária terá que se manter sozinha, sem o sistema de subsídio cruzado, que permite que algumas cidades que geram renda equilibrem as contas daquelas que dão prejuízo. Em fevereiro de 2006, a Copasa colocou à venda 30% de suas ações ordinárias. Dessas ações, 73% foram adquiridas por empresas estrangeiras, iniciando um processo de privatização da companhia.

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Fim da reprodução da edição especial do Jornal Brasil de Fato
sobre a farsa do governo Aécio Neves.

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